A fada dos braços longos tinha uns braços como mais ninguém tinha. Eram longos. Bonitos e longos. Fortes e longos. Conseguia chegar onde mais ninguém conseguia.

Quando ia a festas dançar, usava os seus braços, de tão longos que eram, para chegar desde a pista de dança até ao frigorífico e de lá tirar água fresca para distribuir pelas amigas, para que ficassem hidratadas.

Quando a fada dos braços longos ia trabalhar na horta, tinha braços tão longos que conseguia, sem qualquer cesta, levar para casa toda a colheita do dia.

Quando uma amiga sua tropeçava e caía, a fada dos braços longos tinha os braços tão longos que, a qualquer momento, conseguia esticá-los e amparar-lhe a queda, garantindo que não se magoava.

Quando a sua gata fugia de noite, pelo campo fora, e não aparecia até de manhã, a fada dos braços longos esticava os braços e procurava-a por entre as centenas e centenas de árvores. Quando dava com ela, lá longe, abria-lhe a mão e a gata saltava-lhe para a palma, sabendo que seria transportada de volta a casa, onde teria comida e água e um colo onde se deitar.

Um dia, a fada dos braços longos teve um convite para viajar para um sítio bem longe de casa. Mais longe do que algum dia tinha viajado. Tão longe que não sabia sequer imaginar como conseguiria lá sobreviver. A cabeça da fada dos braços longos rodopiava com dúvidas e inquietações. Como irei conseguir manter contacto com as minhas amigas, estando tão longe? Será que vou conseguir saber da vida das pessoas de quem gosto? Será que vou perdê-las? Será que vão deixar de gostar de mim? E a minha gata? E a minha horta?

A fada dos braços longos pensou e pensou e pensou e pensou. Até que decidiu: “Sim, eu vou!” A fada dos braços longos queria aprender, queria estudar, queria saber mais do mundo, conhecer mais gente, desafiar as suas ideias, expandi-las. “Eu vou, mas volto,” disse para si própria, “e enquanto estiver fora, encontrarei uma maneira de cuidar das minha amigas.”

Chegou o dia, por fim, em que a fada dos braços longos partiu. Caíram-lhe lágrimas de tristeza pelos olhos abaixo. Deu abraços fortes às amigas, tão longos quanto os seus braços. Fez promessas de que voltaria e outras ainda de que não deixaria nunca de pensar nelas. E partiu.

Quando chegou a esse sítio novo, diferente, longínquo, tudo era excitante. Conheceu pessoas novas, dançou, correu, gritou, andou de bicicleta, brincou muito, aprendeu coisas novas, leu livros que nem sabia existirem. Mas faltava-lhe uma coisa: as amigas de sempre. Aquelas que, quando tropeçavam e caíam, ela amparava. Aquelas que, quando dançavam, ela hidratava com água fresca. Faltava-lhe a horta, que tanta comida lhe tinha dado. Faltava-lhe a gata, que fugia de vez em quando mas sempre voltava para o seu colo. E começou a sentir saudades de tudo isso. Por muito que o mundo novo fosse excitante, ela sentia falta desse outro mundo e do conforto que lhe trazia.

Um dia pensou: “Vou tentar esticar os meus braços tão, tão longe que, mesmo estando aqui, conseguirei chegar às minhas amigas.” Então, apontou os braços em direção à sua casa e esticou-os, esticou-os, esticou-os, esticou-os o máximo que conseguiu. Os braços atravessaram oceanos, atravessaram florestas, atravessaram grandes cidades com arranha-céus mais altos do que alguma vez viu. Os braços fizeram sombra sobre aldeias, mergulharam em rios para se refrescarem e continuaram a esticar-se, a esticar-se, a esticar-se. Mas, por muito que a fada dos braços longos esticasse os seus longos braços, não conseguia chegar às suas amigas de sempre. Passaram-se dias em que os braços iam esticando em vão. Em que a fada dos braços longos tentava procurar pelas suas amigas, pelas pessoas de quem mais gostava. E, ainda assim, nada.

Até que a fada dos braços longos, na sua nova casa, desistiu. Sentou-se no chão, debruçou-se sobre os seus joelhos, triste, e chorou. Pensava: “Eu nunca mais vou conseguir chegar às minhas amigas. Nunca mais vou conseguir tocar-lhes. Vou ficar para sempre aqui, sozinha, longe, neste sítio diferente, que às vezes é excitante, mas outras vezes é assustador.” A fada dos braços longos chorou durante dias, deitada no chão. Passou dias assim. Não saía à rua, não comia. E os seus braços longos, que antes eram fortes e longos, bonitos e longos, começaram a ficar fracos, e ela achava-os já feios. Faltava-lhe alimentar-se, cuidar de si. Tanto que começava a ser difícil, para ela, segurar os seus braços longos.

Um dia, tocou-lhe o telemóvel. Primeiro, a fada dos braços longos estranhou: “Será mesmo o meu telemóvel? Achei que toda a gente tinha deixado de gostar de mim.” Atendeu. Era uma amiga, daquelas que tinha ficado lá longe, de quem tantas saudades tinha. Disse-lhe a amiga: “Olá, fada dos braços longos. Tenho saudades tuas. Tenho saudades dos teus abraços, do teu cuidado, da tua companhia, dos teus risos e sorrisos.” A fada dos braços longos sorriu mas, rapidamente, ficou triste novamente. E disse: “Olá, amiga. Eu também tenho saudades tuas. Estive dias e dias a esticar os meus braços para chegar até ti mas, por muito que os tenha esticado, não consegui. Estamos longe demais.” “Tentaste chegar a mim?”, perguntou a amiga da fada dos braços longos, surpreendida. “Sim, tentei”, respondeu. “Porque é que não me disseste?”, perguntou a amiga. “Podias ter dito que estavas a tentar chegar a mim. Assim, enquanto tu esticavas os teus braços longos, eu também esticava os meus. São menos longos, é certo, mas também são grandes. Se eu os esticasse ao mesmo tempo que tu esticavas os teus, talvez nos pudéssemos abraçar.” A fada dos braços longos fez um ar pensativo e disse: “Vamos tentar!”

A fada dos braços longos começou a esticar os seus braços, que eram tão longos que atravessaram oceanos, atravessaram florestas, atravessaram grandes cidades com arranha-céus mais altos do que alguma vez ela viu. Os braços fizeram sombra sobre aldeias, mergulharam em rios para se refrescarem e continuaram a esticar-se, a esticar-se, a esticar-se. E, ao mesmo tempo, também a sua amiga, lá longe, esticava os seus braços. É verdade que eram menos longos, mas também eram grandes. A amiga fechou os olhos e, com toda a força que tinha, esticou-os o máximo que conseguiu. Fez tanta, tanta força que, a dada altura, quando olhou pela janela, viu que as suas mãos se aproximavam das mãos da fada dos braços longos, que vinham desde ao fundo. A fada dos braços longos e a sua amiga continuaram a esticar os seus braços, cada vez mais perto uns dos outros, quase, quase a tocarem-se.

Nesse momento, finalmente, as duas amigas conseguiram abraçar-se. E a fada dos braços longos, ainda ao telemóvel com a amiga, abraçando-a como se estivesse a seu lado, num abraço tão longo quanto os seus braços, disse: “Agora eu sei que posso ir e, apesar de estar longe das minha amigas, os nossos braços nunca vão estar tão longe que não nos poderemos abraçar.”

Dedicado a Marilu, Labalela e Rita.

A fada dos braços longos

Um conto sobre amizade, dedicado a Marilu, Labalela e Rita.