Afinal queremos tudo

Poema escrito em Beirute, Líbano, em janeiro de 2022, em conjunto com Rafaela Cortez. Assim de um jorro só.

Afinal queremos tudo
Fotografia de Ricardo Esteves Ribeiro na Perene, comuna em Azambuja. A frase é inspirada numa tarja que a ocupa da Rua Marques da Silva, em Lisboa, em 2016, tinha na sua parede e que, por sua vez, é inspirada no título de de um livro de Nanni Balestrini, "Vogliamo Tutto", sobre a ocupação de uma fábrica em Turim.

Tudo.
O amor, o carinho, a amizade.
A tristeza e o seu consolo.
A raiva (porque não?).
O debate, a dança, a Revolução.
A euforia e o come down.
O sexo, o prazer, a arte, a música.
O olhar olhos nos olhos em silêncio, de sorriso na cara.
O conversar, apenas o conversar.
Um beijo e dois e três. O beijo a dois e a três.
A perda dos sentidos e o sentir os sentidos todos de uma vez.
A noite sem limites e o sol da manhã, devagar.
A água, o fogo.
O cozinhar e o comer. O cozinhar e o comer discutindo o que cozinhar e o que o comer.
A solidariedade, a igualdade, a justiça, a liberdade — o não ter medo.
O ser tudo e o não ser nada e o ser algo entre o tudo e o nada e o não saber dizer quem se é e o não ter de se dizer quem se é.
O espanto de existir.
A sinceridade, a honestidade, a transparência.
O fim do eu e do tu e do eles.
O nós. Sempre o nós.
O deter os meios e o fim da posse.
O fim do sistema. Deste sistema.
O imaginar outro. O construir outro.
Sempre o nós.
O tocar, o abraçar, o morder, o gritar, o gemer.
O fechar o punho e erguê-lo, o dar as mãos.
Tudo.

Beirute, janeiro de 2022
Ricardo Esteves Ribeiro e Rafaela Cortez